8 de março de 2011

ACTO I

Cena Três

Abre-se a porta do lado direito do palco e acende-se uma luz fraca, preferencialmente alaranjada. Luísa entra em casa, com sacas plásticas de um supermercado, visivelmente cansada. Carlos está no sofá a ler o jornal, bem vestido, com ar de empresário.

Luisa: Ah, bom, já chegaste!

Carlos (lendo o jornal): Hum hum.

Luísa: Há quanto tempo?

Carlos (virando lentamente a página do jornal): Há algum… hum, tempo.

Luísa: Hum. Tens fome?

Carlos: Comi no escritório.

Luísa: Salada?

Carlos: Não, minha querida, liguei ao restaurante que fica por debaixo dos escritórios e pedi comida.

Luísa: E pediste o quê, então?

Carlos continua em silêncio a ler o jornal, completamente abstraído.

Luísa: Carlos? Carlos!

Carlos: Sim, querida? Disseste alguma coisa?

Luísa: Não. Não.

Carlos: Bom, quando fizeres o jantar chama por mim, então.

Luísa: Mas…?



Luz.

Cena Quatro

Luísa e Carlos estão ambos sentados à mesa de jantar. Um silêncio constrangedor paira no ar, ouvem-se o som dos talheres e o folhear de um livro e de uma revista que Carlos e Luísa lêem, respectivamente.
Luísa ri-se, olha para Carlos, mas este continua impávido e sereno. Luísa levanta-se e arruma a mesa, enquanto Carlos permanece abstraído.

Luísa: Amanhã vou fazer uma entrevista a uma possível candidata para o lugar de minha assistente.

Carlos (continua a ler o livro): Que bom, querida.

Luísa (suspirando): Carlos…

Carlos: Sim, querida?

Luísa: Carlos, já pensaste que nos podíamos divorciar e ir viver um para cada lado? Podíamos recomeçar as nossas vidas do zero, estas vidas que cada vez mais se assemelham a  um buraco negro. Estou cansada dessa tua ausência permanente, Carlos, como marido devias estar presente em todos os momentos da minha vida. Como já o fizeste! O que é que aconteceu connosco? Como é que nos perdemos um do outro? Nós que juramos amor eterno perante todos aqueles olhares que nos condenavam por casarmos tão cedo.

Carlos: Hum hum, sim querida. Olha, acho que me vou deitar, está bem?

Levanta-se e sai de cena. Luísa permanece em cena com um olhar preso no infinito. Suspira.

Luísa: E se amanhã a rapariga que eu vou conhecer for uma assassina e me mata na primeira oportunidade, será que ele nota? O mais certo é chegar a casa, pisar o meu cadáver e gritar 'Luísa! Há algo no chão, vê se limpas isso!' E nós que sempre dissemos que iríamos ser felizes para sempre. Pelos vistos quem apontou a morte do nosso casamento deve estar, neste momento, a dançar de felicidade.
Mas não, Luísa, não ajas de cabeça quente. Se ele já foi um homem apaixonado, pode voltar a sê-lo mais cedo, ou mais tarde. As mulheres são pacientes. E tu és uma mulher. Paciente.





Luz.




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