Sentei-me à mesa pronta a escrever-lhe uma carta de resposta. O Frederico tinha ido visitar o irmão, que era dentista, que se encontrava em Lisboa e, mesmo assim, mandava-me uma carta por semana. Para quem estava fora da relação, como a Magda e a Luísa, a nossa relação parecia um sufoco.
«Sempre juntos, ufa!»
«Sempre com o raio da poesia do Mário de Sá-Carneiro na ponta da língua!»
Fazia ouvidos moucos e fingia que não ouvia. Sabia, secretamente, que elas também queriam uma relação assim. Que tivesse começado do nada e por uma incrível coincidência, como nos livros.
«Romance de literatura!» - diziam elas sempre que viam uma carta do Frederico em cima da mesa.
O que elas não sabiam, tecnicamente, era que eu e o Frederico ainda não namorávamos. Apenas trocávamos poesia juntos por termos esse gosto em comum. Não sei porquê, nem onde, o boato de que estávamos juntos tinha sido inventado. Mas, como que se quiséssemos alimentar essa chama indirectamente, nenhum de nós se chegava a frente pronto a desmentir. Porém, a verdade é que eu gostava mesmo desse rumor e de fazer transparecer que sim, que era verdade, que nós éramos feitos um para o outro.
Okay, isto realmente foi muito fílmico. Para falar verdade, eu gosto mesmo da minha relação com o Fred. Somos amigos, não com benefícios, mas que gostam da mesma coisa e quando estamos juntos, passamos muito tempo juntos, há sempre aquele ambiente de flirt no ar e que é tão bom de respirar antes de vermos a relação começar… E eu gosto tanto disso que não sei como desligar e passar à nova etapa. Cada vez mais acho que não sou é a única a gostar desse aspecto.
Olhei para a folha pautada e escrevi no centro:
Nada me expira já, nada me vive
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
Além-Tédio do querido Mário. Porque acho que só ele, por vezes, nos entende.
Dobrei a folha em quatro e selei o envelope já preparado com selo. Quando me apercebi que ia receber cartas a um tempo ritmado…Preveni-me e comprei envelopes e selos para tempo suficiente. Um mês. O tempo que o Frederico demoraria a voltar para o Porto.