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Estava sentada há mais ou menos meia hora na sala de espera do consultório do dentista. Era uma espera relativamente normal, já que o Dr. Rocha era sempre muito meticuloso com todos os doentes o que, por vezes, duplicava o tempo da consulta. Tinha deixado em telemóvel em casa e, nesse dia, por incrível que pareça, não havia revistas nenhumas em cima da mesa de centro da sala de espera. E estava sozinha. Estava parada no meio das minhas divagações sobre o quanto odiava o cheiro a éter, quando fui interrompida por alguém que entrara na sala de espera. Era uma senhora com, mais ou menos, 45 anos.
«Boa tarde. Desculpe, aqui é que é o consultório do Dr. Rocha, certo?»«Sim.» - respondi – «A Tânia não está aqui na recepção, está lá dentro. Mas, daqui a nada, deve estar aí.
Sorri.
«Obrigada, mas é que a consulta não é para mim, mas para o meu filho que está atrasado e eu vinha aqui guardar-lhe a vez. A que horas é a sua consulta?»
«16h30.»
«Ah, a do meu filho é às 16h.»
Fiquei ironicamente feliz com a notícia e sorri secamente. Já não bastava ter chegado antes da hora e ainda ia ter que esperar quase o triplo do tempo para um simples consulta dentária de rotina.
Estava entretida a ver o programa que passava na televisão quando a Tânia chegou à sala de espera.
«Mais dez minutos e convinha que o seu filho aqui estivesse.»
«Ele deve estar quase a chegar, não se preocupe.»
E piscou-me o olho.
Comecei a sentir-me desconfortável, odiava este tipo de situações. Para além de começar a ficar com vergonha alheia, estava a ficar nervosa com o atraso do rapaz porque não iria querer entrar primeiro caso ele não chegasse a tempo.
Quando a Tânia se estava a encaminhar para o consultório, a porta de entrada abriu-se e entrou um rapaz alto, blusão de cabedal, capacete no braço esquerdo e livro de poesia na mão direita.
«Desculpa mãe, atrasei-me na livraria.»
Sentou-se na minha frente e sorriu.
«Boa tarde!»
«Boa tarde.» - respondi e sorri.
Tentava apanhá-lo distraído para tentar ler quem era o autor do livro que tinha na mão, mas todas as minhas tentativas eram infrutíferas e tinha medo de que ele me apanhasse a tentar perceber qual era o livro. Estava na minha enésima tentativa quando ele me apanhou a olhar fixamente para o livro.
«Poesia, gostas?»
Tratou-me por tu e perguntou-me por poesia? Não conseguia de todo analisar o tipo de rapaz que tinha ali à minha frente e que, indirectamente, me cativava de certa forma.
«Ninguém pergunta se alguém gosta de poesia.» - sorri.
Riu.
«Pois não, pois não. Grande falha minha.»
Rimo-nos juntos.
«Mário de Sá-Carneiro, um dos meus poetas favoritos.»
Após ter dito isso, levantou-se e sentou-se ao meu lado. Tinha um post-it no livro a marcar uma página. E sem olhar para a página, disse:
«Eis o meu poema da semana:
Amor é chama que mata,
Dizem todos com razão,
É mal do coração
E com ele se endoidece.
O amor é um sorriso
Sorriso que desfalece.
Madeixa que se desata
Denominam-no também.
O amor não é um bem:
Quem ama sempre padece.
O amor é um perfume
Perfume que se esvaece.
Concordas com a minha escolha?»
Ainda espantada com o facto de me terem declamado um poema de Mário de Sá-Carneiro no meio de um consultório de um dentista, acenei afirmativamente com a cabeça sorrindo.
Levantou-se.
«Maria Eduarda.»
«Até já, Maria Eduarda.» - e sorriu.
Nem dei pela mãe dele sair da sala de espera e voltei a ficar sozinha, até que reparei que ele tinha deixado o livro comigo.
Nem tinha passado um quarto de hora quando a Tânia já estava a chamar por mim. Cruzei-me com o Frederico no caminho para o consultório mas não trocamos mais nenhuma palavra, apenas sorrimos. Quando saí, reparei que estava um papel devidamente dobrado na cadeira onde tinha estado sentada.
Era o poema do Mário de Sá Carneiro. No verso da folha estava escrito não só o número de telemóvel, mas também uma pequena mensagem:
«Não sou um dandy, apesar do João da Ega ser dos meus personagens favoritos d’Os Maias. No entanto, gostava imenso de levar a Maria Eduarda a tomar um chá. Como Eça de Queirós escreveria.
Frederico. »
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