9 de agosto de 2011

Vício de Ti


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Estava sentada há mais ou menos meia hora na sala de espera do consultório do dentista. Era uma espera relativamente normal, já que o Dr. Rocha era sempre muito meticuloso com todos os doentes o que, por vezes, duplicava o tempo da consulta. Tinha deixado em telemóvel em casa e, nesse dia, por incrível que pareça, não havia revistas nenhumas em cima da mesa de centro da sala de espera. E estava sozinha. Estava parada no meio das minhas divagações sobre o quanto odiava o cheiro a éter, quando fui interrompida por alguém que entrara na sala de espera. Era uma senhora com, mais ou menos, 45 anos.
«Boa tarde. Desculpe, aqui é que é o consultório do Dr. Rocha, certo?»

«Sim.» - respondi – «A Tânia não está aqui na recepção, está lá dentro. Mas, daqui a nada, deve estar aí.

Sorri.

«Obrigada, mas é que a consulta não é para mim, mas para o meu filho que está atrasado e eu vinha aqui guardar-lhe a vez. A que horas é a sua consulta?»

«16h30.»

«Ah, a do meu filho é às 16h.»

Fiquei ironicamente feliz com a notícia e sorri secamente. Já não bastava ter chegado antes da hora e ainda ia ter que esperar quase o triplo do tempo para um simples consulta dentária de rotina.

Estava entretida a ver o programa que passava na televisão quando a Tânia chegou à sala de espera.

«Mais dez minutos e convinha que o seu filho aqui estivesse.»

«Ele deve estar quase a chegar, não se preocupe.»

E piscou-me o olho.

Comecei a sentir-me desconfortável, odiava este tipo de situações. Para além de começar a ficar com vergonha alheia, estava a ficar nervosa com o atraso do rapaz porque não iria querer entrar primeiro caso ele não chegasse a tempo.

Quando a Tânia se estava a encaminhar para o consultório, a porta de entrada abriu-se e entrou um rapaz alto, blusão de cabedal, capacete no braço esquerdo e livro de poesia na mão direita.

«Desculpa mãe, atrasei-me na livraria.»

Sentou-se na minha frente e sorriu.

«Boa tarde!»

«Boa tarde.» - respondi e sorri.

Tentava apanhá-lo distraído para tentar ler quem era o autor do livro que tinha na mão, mas todas as minhas tentativas eram infrutíferas e tinha medo de que ele me apanhasse a tentar perceber qual era o livro. Estava na minha enésima tentativa quando ele me apanhou a olhar fixamente para o livro.

«Poesia, gostas?»

Tratou-me por tu e perguntou-me por poesia? Não conseguia de todo analisar o tipo de rapaz que tinha ali à minha frente e que, indirectamente, me cativava de certa forma.

«Ninguém pergunta se alguém gosta de poesia.» - sorri.

Riu.

«Pois não, pois não. Grande falha minha.»

Rimo-nos juntos.

«Mário de Sá-Carneiro, um dos meus poetas favoritos.»

Após ter dito isso, levantou-se e sentou-se ao meu lado. Tinha um post-it no livro a marcar uma página. E sem olhar para a página, disse:

«Eis o meu poema da semana:

Amor é chama que mata,

Dizem todos com razão,

É mal do coração

E com ele se endoidece.

O amor é um sorriso

Sorriso que desfalece.



Madeixa que se desata

Denominam-no também.

O amor não é um bem:

Quem ama sempre padece.

O amor é um perfume

Perfume que se esvaece.



Concordas com a minha escolha?»



Ainda espantada com o facto de me terem declamado um poema de Mário de Sá-Carneiro no meio de um consultório de um dentista, acenei afirmativamente com a cabeça sorrindo.


«Frederico Tiago Fonseca?» - chamou a Tânia.


Ainda estávamos a olhar um para o outro.


«Sim?»

Levantou-se.

 «Até já…»

«Maria Eduarda.»

«Até já, Maria Eduarda.» - e sorriu.



Nem dei pela mãe dele sair da sala de espera e voltei a ficar sozinha, até que reparei que ele tinha deixado o livro comigo.

Nem tinha passado um quarto de hora quando a Tânia já estava a chamar por mim. Cruzei-me com o Frederico no caminho para o consultório mas não trocamos mais nenhuma palavra, apenas sorrimos. Quando saí, reparei que estava um papel devidamente dobrado na cadeira onde tinha estado sentada.

Era o poema do Mário de Sá Carneiro. No verso da folha estava escrito não só o número de telemóvel, mas também uma pequena mensagem:



«Não sou um dandy, apesar do João da Ega ser dos meus personagens favoritos d’Os Maias. No entanto, gostava imenso de  levar a Maria Eduarda a tomar um chá. Como Eça de Queirós escreveria.



Frederico. »





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