Capítulo I
Abri aquela carta com toda a veemência com que tinha aberto todas as outras, Parecia que tinha uma sede inesgotável de saber o que se passava com ele. E consumia todas aquelas palavras que ele me escrevia uma e outra vez, fingindo que ele se encontrava ali ao meu lado a sussurrar-me a carta aos meus ouvidos. Assim estilo Pearl Harbour, quando a Evelyn e o Rafe trocam cartas de amor, Filme que repete cerca de duas vezes por ano. Uma delas há-de calhar sempre no Natal.
O papel desta carta era, no entanto, diferente do habitual. O Frederico sempre me tinha habituado a um papel extremamente branco, não transparente, e extraordinariamente sedoso e aquele que tinha agora nas mãos era, para além de rugoso, amarelado e duro. Não sei como havia ele conseguido dobrar aquilo para dentro de um envelope. Rapidamente percebi que a diferença do papel tinha tudo a ver com a mensagem que este trazia. Um poema de Mário de Sá-Carneiro.
Que rosas fugitivas foste ali:
Requeriam-te os tapetes – e vieste...
– Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.
Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste –
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...
Pensei que fosse o meu o teu cansaço –
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...
E fugiste... Que importa ? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?...
Roubei ao Mário de Sá Carneiro as palavras, mas a minha paixão por ti ninguém trava ou rouba.
Teu,
Frederico.
Abracei a carta como se tratasse do Frederico ali comigo e foi aí que percebi que também a carta vinha empregnada com o cheiro dele misturado com o éter do consultório do dentista onde estava agora a trabalhar. Nunca gostei do cheiro do éter, até agora, em que me fazia lembrar a primeira vez em que nos vimos.
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